terça-feira, 8 de junho de 2010

ETICA DA PERFEIÇÃO E CONTABILIDADE

O dia de hoje é de luto para a classe contábil brasileira com  a perda de um dos seus ícones. O Brasil perde com o intelectual, o filósofo e historiador respeitado, a meu ver o maior cientista contábil que o Brasil já teve, o ilustre Professor Contador ANTÔNIO LOPES DE SÁ. Me considero uma privilegiada por ter desfrutado de sua amizade e de tido a oportunidade de apreciar e aprender com suas palestras nos mais importantes eventos da classe contábil. Hoje somente tristeza e saudades. Concordando com o que está no site do CFC:  " Na centena de livros e milhares de artigos publicados; nos trabalhos impregnados pela marca do seu gênio; deixa-nos o pranteado líder e criador de doutrinas um patrimônio de valor inestimável; para ser explorado e levado a crédito das futuras gerações de profissionais da Contabilidade".
Como uma singela homenagem quero neste espaço postar um dos seus inúmeros artigos:
ETICA DA PERFEIÇÃO E CONTABILIDADE
A busca de uma perfeição, através do conhecimento, foi uma característica do Renascimento .
O século XV, trouxe, inquestionavelmente, ao mundo, um estágio de civilização preocupado com a melhoria do homem .
A Contabilidade também beneficiou-se disto, com o aparecimento da obra de Luca Pacioli, egressa de um ser humano que trabalhou tanto na área do aperfeiçoamento que também escreveu «As divinas proporções» (sobre Luca Pacioli ver nosso livro Historia Geral e das Doutrinas da Contabilidade, Editora Atlas) .
A ligação intelectual entre Leonardo Da Vinci e o frei das Partidas Dobradas, a ambos beneficiou porque os uniu no mesmo ideal de perfeição .
O retorno da filosofia de Platão, o avanço nas conquistas da geometria, a maior penetração do mundo artístico, ajudaram o progresso humano de forma expressiva , sempre somando para buscar o melhor .
Uma «Ética da Perfeição» parecia ser a constante entre os lideres intelectuais da época e disto todos nós, até nossos dias, nos beneficiamos .
Qual, todavia, na atualidade, seria o posicionamento dentro de tal ótica ?
Teria o homem alienado sua forma subjetiva de pensar em face da mídia eletrônica, dos amplos recursos tecnológicos desse século que expira ?
Deveríamos nós, contadores e técnicos em Contabilidade, ceder à essa euforia do individualismo grosseiro que dominou o próprio mundo dirigente de hoje, em quase todas as partes do mundo ?
A decadência do socialismo soviético e o canibalismo do capitalismo imperialista, mostram-nos extremos de fracassos políticos em termos éticos e morais, no campo da sociedade em que nos inserimos ; como comportar diante de tudo isto ?
Que tipo de perfeição seria a exigível ?
Poderíamos falar de uma Ética Profissional preocupada com a «perfeição»?
Existiria uma «perfeição» do século XV e uma outra do século XX ?
A consideração dessa matéria, observada sob o prisma do Homem, como Ser, parece-me exigir, sem dúvida, a fixação de duas premissas preliminares e essenciais.
A primeira, relativa ao conceito de «Perfeição» e a segunda, ao conceito de «Ética» .
Não me parece lógico falar-se de uma «Ética da Perfeição» sem uma plena compreensão dos conceitos que abrange .
Aristóteles viu na perfeição ângulos distintos , ou sejam 1) o que se relaciona a fazer-se o que não pode ser ultrapassado, 2) ao que consegue executar um fim ideal e o 3) tão especial que nada a ele se compara .
Como pai de uma Ética que até hoje tem sua rara influência no campo do comportamento humano, o sábio grego conseguiu lançar fundamentos conceituais que ainda nos parecem inalteráveis .
Outros grandes pensadores buscaram outras faces dessa verdade e Tomás de Aquino, ainda com influência aristotélica, chegou a distinguir a Perfeição em : 1) o que é por si essencialmente perfeito e 2) aquilo que se avizinha ao máximo de um fim ideal que se toma como perfeito .
Kant não se distanciaria muito do que o grande filosofo católico estabelecera e assim, até nossos dias, continuamos a entender o «perfeito» sob tais dimensões .
Essa integridade, esse compromisso de se realizar o que é mais próximo de um fim determinado, parece ser o conceito relativo de perfeição que se pode atribuir ao homem .
E qual seria o fim em uma atividade profissional , especialmente no campo da Contabilidade em um mundo contaminado pela corrupção, pela violência, pela ambição e por um exacerbado desejo de Poder ?
Em minha forma de entender admito, como já o admitia Buda, há 2.500 anos atrás, que devemos viver no mundo sem obrigatoriamente estarmos de acordo com ele .
Ou seja, se muitos praticam defeitos e vícios, não significa que devamos seguir tal forma de proceder .
Como lecionou o filosofo oriental referido, «podemos viver entre ladrões e criminosos sem sermos ladrões e criminosos» .
Entendo que quatro atributos do espírito devem ser evocados quando se fala de uma conduta profissional, de um fim ideal a ser alcançado e eles são os do 1) amor ao que se faz e para quem se faz , 2) conhecimento racional e profundo do que se exercita, 3) trabalho ativo e concentrado no que se executa e 4) permanente reflexão sobre a coisa executada ou aquela a ser ainda realizada .
A conduta dimanada de uma vontade consciente do homem indica a sua qualidade no campo ético e assim entendo a Ética (ver nosso livro Ética Profissional, Editora Atlas) .
Quando essa qualidade se inclina para a virtude, para a Perfeição, completa-se o ciclo e nos autoriza a afirmar que se cumpre a «Ética do Perfeito» .
Isto porque : é da natureza do «perfeito» produzir a «perfeição» .
É preciso, ainda, no campo contabilístico, ter em mente que nossa disciplina está a serviço do homem, do social e que embora tudo seja evolutivo, não seria racional incluir, em suas transformações, a deformação da virtude, como efeito do progresso .
Nossa meta está em associar os interesses da célula social (empresa ou instituição) aos interesses maiores das comunidades humanas, dentro de uma hierarquia de vizinhanças (a cidade, a província, o país, etc.) .
Possuímos sérias responsabilidades para com a Sociedade, para com a Pátria, para com a Humanidade , mas, nosso cuidado primeiro, deve iniciar-se pela empresa, pela instituição, em nosso compromisso virtuoso com a mesma .
Social não quer dizer, para mim, o mesmo que «Estado» e nem o interesse dos que o dirigem, mas, essencialmente ao que se refere ao coletivo humano , ao comunitário e que nem sempre tem os mesmos anseios e necessidades que o da esfera dirigente .
Cada vez mais a Contabilidade transcende os limites individuais para tornar-se um conhecimento que milita em favor do holístico, embora nossa esfera de ação seja, ainda, a azienda, a célula .
Esta a conclusão de minha Teoria das Funções (ver sobre o assunto o meu livro Teoria da Contabilidade, editora Atlas) quando enuncio que sendo a Contabilidade a ciência competente para tornar racional o uso da riqueza, na satisfação das necessidades das células sociais, a sociedade só estará em equilíbrio, quanto ao bem estar material dos homens , quando todas as células também o estiverem ; daí a responsabilidade na aplicação de nosso conhecimento dentro de um grande fim, de um grande ideal .
Se estivermos conscientes de que nosso papel é o de orientar racionalmente as empresas a conseguirem comportamentos patrimoniais eficazes, para elas, para o todo, estaremos praticando uma conduta sadia, estaremos praticando a Ética da Perfeição através da Contabilidade .
Não existe uma perfeição dos séculos antes de Cristo, nem só do século XV e ainda uma outra do século XX, mas, uma só e que se identifica por ter como finalidade a atingir a virtude , através da qual se deseja e faz para o nosso semelhante o que para nós almejamos e fazemos de melhor .
Prof. Dr. Antônio Lopes de Sá




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